Descendência alemã em Teófilo Otoni - MG - Brasil

Nilo Franck

Nilo

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Por que vieram de lá? Por que justamente para esse lugar - onde o sol brilha com tão grande intensidade? Como e quantos vieram? Que tipo de vida tiveram naquele tempo nesse lugar?


Tudo começou quando, em 1847 um político brasileiro da cidade mineira do Serro, chamado Teófilo Benedito Otoni projetou ligar o nordeste mineiro com o litoral. Primeiro, fundou em 1851, no Rio de Janeiro a Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri. Depois, em uma de suas expedições ao interior de Minas, ele resolveu fundar uma cidade em meio a matas fechadas - local antes escolhido para degredo (exílio) de prisioneiros ­uma vez que a região era povoada pelos temidos índios canibais Pojichás (botocudos), por animais ferozes, cobras e todo tipo de dificuldades. Mas ... a natureza era exuberante! Existiam árvores frondosas, demonstrando que o solo era muito fértil. Havia muita água, das pequenas lagoas - como a Vupabuçu, por exemplo, o rio Todos os Santos e porque faz parte do Vale do Mucuri, rio caudaloso, que poderia servir à navegação conduzindo quem morasse ali facilmente ao mar, distante apenas! Cerca de 285 Km ...


Impulsionado pelo desejo de ver seu projeto de cidade progredir, como Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, que havia sido fundada dez anos antes e colonizada por alemães desde o princípio, quando foi aberta a estrada normal da Serra da Estrela, Teófilo Benedito enviou à Alemanha um convite para que viessem pessoas interessadas em desbravar e cultivar a terra. Grande estrategista, colocou na localidade recém fundada o nome Filadélfia, o mesmo nome da florescente capital das províncias norte americanas na época ...


Para abrandar o ímpeto bravio dos índios, contatou o Cacique Poton, dizendo-se parente dele com o argumento de que os nomes Oton e Poton eram muito parecidos e só podiam ser parentes! E com isso adquiriu sua confiança e a dos seus liderados. Cada vez que vinha ao Mucuri Teófilo Benedito pendurava nas árvores próximas aos carreiros, presentes tais como machados, enxadas e enfeites, para agradar aos novos "amigos".


Na Alemanha àquela época, com certeza as coisas não estavam bem. Pela história sabemos que havia desemprego, inflação e superpopulação. No Brasil, sobravam terras e faltavam braços para o trabalho, uma vez que desde 1850 a Lei Eusébio de Queirós pôs fim ao tráfico escravo, e não havia quem abrisse picadas nas matas, construísse casas nos lugarejos ou plantasse roças para sustentar aos que moravam nas cidades.


Por ordem de Teófilo Benedito Otoni, com o apoio do Governo Imperial, a Firma Schlobach e Morgenstern divulgou em 1854, em jornais da Alemanha, o convite com oferta de áreas para colonizadores virem a Filadélfia. Muitos alemães e outros europeus aceitaram o convite.


Aqueles aventureiros corajosos vieram de navio com suas famílias da Alemanha até o porto do Rio de Janeiro. No Rio tomaram embarcação menor até o porto de São José do Porto Alegre (Mucuri) na Bahia e subiram rio acima até onde ele era navegável. Depois, os homens andaram a pé, e em carros de bois, as mulheres e crianças com seus pertences, certamente mínimos, o estritamente necessário para a viagem e os primeiros tempos na Pátria recém adotada.


79 alemães sendo 60 evangélicos, 2 católicos e 17 crianças (que ainda não haviam sido batizadas), juntos com 21 suíços chegaram a Filadélfia no dia 23 de julho de 1856. Moraram em pequenos barracões de madeira feitos por eles mesmos e, embora ávidos por trabalhar a terra, limpá-la, cultivá-la, tiveram que primeiro continuar os trabalhos de abertura da Estrada de Santa Clara. “ Questionado sobre o porquê de uma estrada tão larga num lugar onde só transitavam tropas de burros e cavaleiros ou pessoas a pé, Teófilo Otoni disse que” seria para transitarem carros de quatro rodas, como os dos alemães de Petrópolis”! Só em 1858 deram por encerrada tal empreitada...


Em 1857 chegou uma nova leva de colonos, com nove famílias.


Podemos imaginar a decepção de quem deixou para trás casa organizada, parentes, amores, pátria onde havia escolas, médicos, hospitais, alimentos, embora caros e raros, mas de sabor e textura conhecidos, agradáveis ... para enfrentar tudo desconhecido: o povo, o idioma, a comida, o clima... para viver e conviver com animais estranhos e bravios, enfrentar os índios, que além de ferozes, tinham cultura completamente diferente - andavam nus, só colhiam o que a natureza lhes dava - em vez de plantar, cuidar e esperar produzir para depois colher, como era o costume alemão e do povo civilizado em geral. Quanto aos animais que os colonos criavam, os índios pegavam e matavam sem a mínima cerimônia... Deve ter sido muito difícil adaptar-se a esse tipo de vida... além da saudade dos entes queridos...


Em 1858 Filadélfia contava com 12 casas comerciais, 129 residências, onde moravam 600 pessoas, mas além dos ataques dos índios e outros problemas como os bichos-de-pé, as febres rondavam o povoado... Muitos abandonaram a colônia. "E para dar as proporções exatas dessa debandada, basta lembrar que dos anos 1860 a 1864 a única língua usada na região era a alemã, uma vez que os suíços e alsacianos também dominavam o idioma germânico".


Nesse meio tempo - em 1862 - chegou o Pastor evangélico missionário João Leonardo Hollerbach , indicado para pastorear a comunidade de Petrópolis, mas que, mesmo tendo lido os relatos do Dr. Robert Avé Lallemant sobre o enorme sofrimento que presenciou nos colonos de Filadélfia quando a visitou em 1859, quis viver aquela triste realidade. Viveu em Filadélfia até o fim dos seus dias, falecendo em 1899, tendo servido à Comunidade por 37 anos. Foi a pessoa que mais contribuiu para fixar o elemento europeu na região. Atendia a todos sem distinção de raça, credo ou cor. Pregava em alemão, português e francês. Casou-se com a filha de um dos colonos, Ana Maria Lindner, em 1864. Tiveram 10 filhos e sua descendência é enorme na atualidade.


Em 1868 chegou nova leva de imigrantes com cerca de 44 famílias.


Muitos dos alemães que para cá vieram tinham profissões definidas, tais como seleiros, padeiros, ferreiros, carpinteiros, tecelões, sapateiros, oleiros, taneiro, escoveiro etc. E, por possuírem conhecimento prévio, adquirido na Alemanha, muito contribuíram para o progresso da região. Trabalharam e produziram tanto que em 1880 iniciou-se a construção da Estrada de Ferro Bahia e Minas, inaugurada em 1889, necessária para ligar o norte de Minas ao sul da Bahia e escoar a enorme quantidade de café, rapadura, feijão, milho etc. que colhiam até cevada e trigo eles cultivavam.. Fabricavam vinho com as frutas que plantavam, cerveja... Como gostavam ... e gostam de festas!!!


Em 1922, 1923 e 1924 novas levas aportaram na cidade, trazendo inovação ao já combalido extrato germânico de Teófilo Otoni (novo nome que a cidade recebeu, em homenagem ao seu fundador). Com ânimo alimentado por novas idéias, o progresso retomou seu curso. As famílias se reanimaram com a chegada dos novos elementos, muitos casamentos aconteceram, uma vez que grande parte era de homens solteiros. Muitas escolas surgiram, muitos ficaram ricos e chiques: o avião era o novo meio de transporte, com aeroporto inaugurado em 1937.


Com o movimento crescente na cidade, muitas escolas foram construídas, tais como o Colégio Mineiro, escola mista, pública e o Colégio Normal São Francisco, feminino, particular, fundados em 1928, transformando Teófilo Otoni em grande centro geo educacional, uma vez que afluíam para cá estudantes de toda a redondeza. E ainda continuava funcionando a Escola Evangélica fundada pelo Pastor Hollerbach em sua residência, logo que chegou a Filadélfia em 1862, tendo ele mesmo feito os primeiros bancos, na qual ele lecionava em português e em alemão para filhos dos brasileiros e dos colonos. Esta escola continua viva e ativa em Teófilo Otoni, apesar das dificuldades que enfrentou na época da segunda guerra mundial, quando muita coisa foi destruída inclusive pelo fogo. Ela deu origem a uma escola estadual que tem atualmente o nome de Dr. Lourenço Porto. Mas existe outra escola estadual que tem o nome de Escola Estadual Pastor Hollerbach, cuja origem data de 1934, fundada com o nome "Deutscher Schulverein" pelo Pastor e Professor Libório Zimmer, que funcionava na Rua Pastor Hollerbach número 48. Um internato anexo à Igreja Luterana também foi construído na tentativa de sanar o problema educacional dos filhos dos colonos que moravam nas roças. Depois de certo tempo foi transformado em internato rural, o qual funciona até hoje, com o nome AEEL - Associação Educacional Evangélica Luterana, atendendo jovens de qualquer raça, cor ou credo religioso com dificuldades para seguir os estudos, uma vez que no meio rural existem atualmente muitas escolas municipais e estaduais, mas muitas não têm o ensino médio.


A língua alemã deixou de ser falada pelos descendentes alemães da região após a segunda guerra, devido ao medo de perseguições e porque foi proibido.


No ano de 1956 foi comemorado o Centenário da Colonização Alemã em Teófilo Otoni com muita festa, muita alegria. Lindos desfiles, relembrando a chegada dos pioneiros desbravadores. A rainha foi a Srta Vera Laure, que foi por muito tempo funcionária da embaixada do Brasil na Alemanha.


Pouco tempo depois, antes mesmo de 1960, iniciou-se um processo terrível de decadência na região. Certamente por deterioração e estagnação do conhecimento, por não terem sido criadas escolas de nível superior para atender aos inúmeros elementos interessados em ampliar seus conhecimentos e colocá-las em prática na localidade em que nasceu. Surgiu a Fundação Educacional do Nordeste Mineiro, mas só com os cursos de Direito, Pedagogia, Ciências e Letras. Quem queria seguir os estudos na área da saúde, por exemplo, ficava sem estudar ou ia para outras cidades quando tinha posses e podia custear os estudos, de onde muitos não voltavam por falta de oportunidade de trabalho em Teófilo Otoni. Filhos da cidade estão pelo Brasil a fora, muitos Mestres e Doutores atuando em Universidades, Advogados, Juízes, Desembargadores da Justiça, Médicos, Administradores etc. Em 1973 foram dadas por encerradas as atividades do Colégio São Francisco motivado pela redução do número de alunos, a carência de pessoal humano capacitado e um débito no INPS, hoje INSS. Deixaram de existir na década seguinte os Colégios Portugal e São José, e, como numa enxurrada, muitas instituições eram desativadas, como o frigorífico Mucuri, por exemplo, ou transferidas para localidades mais prósperas. Perdemos, inclusive, a Estrada de Ferro Bahia e Minas... A cada senso o número de habitantes diminuía. De 150.000, chegamos a 126.895 pessoas!


Graças a Deus, o período ruim passou! A cidade atualmente vive um movimento crescente com a construção de novas Universidades, como a UNIPAC (Universidade Presidente Antonio Carlos) com 26 cursos, a Doctum, a UNEC(universidade de Caratinga), extensão da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e a criação da UFVJM ­Universidade Federal dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha em franco movimento de alunos. Temos em funcionamento um frigorífico multinacional (Friboi) que abate diariamente centenas de cabeças de gado destinadas à exportação para várias localidades do globo. O comércio fervilha...


Um novo aeroporto foi construído no Espinhaço do Bode que recebe apenas aeronaves de pequeno porte. Está em estudos sua ampliação para receber aeronaves maiores, uma vez que está previsto enorme trânsito de empreendedores negociantes internacionais devido ao funcionamento da ZPE - Zona de Processamento de Exportação em Teófilo Otoni.


O solo da região do Mucuri é riquíssimo em pedras preciosas e outros minerais. A cidade de Teófilo Otoni é considerada Capital das Pedras Preciosas e anualmente, em agosto tem acontecido a Feira Internacional de Pedras Preciosas, promovida pela GEA (Gem Exporter Association) freqüentada por pedristas de várias partes do mundo. Os alemães aqui radicados não tiveram interesse em explorar e comercializar estas pedras no princípio da colônia. De algum tempo para cá algumas famílias começaram se interessar pelo trabalho de lapidação e comercialização delas, chegando a ter firmas especializadas no assunto, como alguns membros da família Keller e Zimmer por exemplo. Os descendentes dos alemães se dedicam mais à atividade agrária e pecuária de leite e corte. Atualmente é enorme a exploração e comercialização de granito, carecendo de uma estrada de ferro para escoar a produção. Alguns descendentes da família Sommerlatte estão envolvidos nesse comércio.


Apesar de se terem passados 152 anos (em 2008), a germanidade ainda persiste em muitas famílias da ex colônia, inclusive dos da primeira leva, que chegou em 1856, como por exemplo, o Sr David A. Wittig, filho de Fernando e Clara Schmidt Wittig, neto de Eduardo e Maria Sommerlatte Wittig e Carlos e Miná Schmit. O Sr. David é casado com Sélia E. Doelher Wittig , filha de Samuel A. Doelher e Alzira Maria Sanger Doelher. Tiveram 13 filhos, dos quais 8 são casados com descendentes das famílias Braun, Walter, Doehler, 2 casados com membros da família Hirle e 2 com Neumann. Continua a descendência também nos netos. Recentemente uma neta casou-se com um Doelher.


A maioria dos descendentes de alemães de Teófilo Otoni é evangélica e muitos seguem ainda o que fora ensinado aos antepassados, e repassado às gerações mais novas, conforme escreveu o saudoso Pastor Walter Schlupp: "A Igreja Evangélica ensina não odiar, não perseguir, não semear discórdias e inimizades, não explorar logrando os outros, não escravizar consciências, não abusar do poder da maioria ou de instituições públicas, não terrorizar, não provocar desordem; mas sim ajudar e colaborar em toda boa obra, combatendo a miséria e inconveniências; criar um espírito de confiança, de misericórdia, de responsabilidade, de fraternidade". Talvez devido a esses princípios interiorizados seja que nossa população de origem alemã é considerada ordeira, organizada, honesta, responsável, trabalhadora. Palavra de "alemão" de Teófilo Otoni é PALA VRA!


Venha nos conhecer e se alegrar conosco! Somos também muito alegres e festeiros!


Teófilo Otoni-MG, junho de 2008


Dalva Neumann Keim




Bibliografia


1) SCHLUPP, Walter J. Vasos de Barro, pg 146, Editora Rotermund, 1983


2) ROTHE, Max, 100 anos de Colonização Alemã em Teófilo OtonilMG, pág 8 e 10


3) TIMMERS, O.F.M.Frei Olavo, Theophilo Bedicto Ottoni, Pioneiro do Nordeste


A história da colonização alemã em Teófilo Otoni é emocionante, apaixonante!


Tanto que nos motivou a escrever a letra e a música do HINO AO IMIGRANTE, o qual foi oficializado pela Lei municipal n° 5.680 de 29 de novembro de 2006 e pode ser cantado em qualquer lugar, mudando-se apenas o(s) nome(s) da localidade


Hino ao Imigrante


Queridos imigrantes avós Alegrem-se com Deus


Aqui estamos nós


Os descendentes seus ...


Tudo desconhecido:


O povo, a língua, o pão ...


Adaptaram-se a tudo,


Amaram o novo chão!


Nós lhes agradecemos


A coragem, fé e amor


E hoje nos comprometemos


Seguir em frente no labor ...


Deste Brasil humanista


Teófilo Otoni há de ser


Cidade amável progressista,


Enquanto aqui eu viver!!!


POr Dalva Neumann Keim/2006

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