Turnerschaft - Clube Ginástico de Juiz de Fora: sua história e contribuição para o cenário esportivo na cidade de Juiz de Fora (1908-1979)

Licenciada em Educação Física pela UFJF; Pós-Graduada em Fisiologia do Exercício para Grupos Epeciais pela FES; Mestranda em Educação Física peja UFJF; membro da Associação Cultural e Recreativa Brasil-Alemanha.

Nilo Franck

Nilo

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Introdução


A história de Juiz de Fora se confunde com a história de Estradas e esta com participação do elemento alemão e teuto-brasileiro. Inicialmente cabe mencionar o Caminho Novo aberto no séc. XVIII por Garcia Paes responsável pelo povoamento de nossa região, ele, neto do Barão Alemão Von Lahm. Posteriormente a Estrada do Paraibuna aberta pelo engenheiro alemão Henrique Guilherme Fernando Halfeld em meados do séc. XIX que deu origem ao núcleo urbano hoje Juiz de Fora. Por último, a Estrada União e Indústria que teve como seu idealizador o visionário e grande brasileiro Mariano Procópio Ferreira Lage, o qual trouxe para a cidade um contingente significativo de imigrantes germânicos.


A evolução da cidade teve como fator importante a presença de imigrantes germânicos que chegaram nos anos de 1856 e 1858, contratados pela Companhia União e Indústria para a construção da estrada que deveria ligar a província de Minas Gerais, especialmente a chamada Zona da Mata, ao Rio de Janeiro.


Estes primeiros e pioneiros imigrantes alemães foram responsáveis pelo desenvolvimento e progresso desta então pequena aldeia do interior do Brasil, projetando-a a nível estadual, nacional e internacional, pelo surgimento de vários estabelecimentos industriais e comerciais, além de acumular uma série de melhorias no espaço urbano como a introdução de bondes de tração animal, telégrafo, telefone, oferta de água a domicílio, iluminação pública através de lampiões a querosene, fundação de escolas de ensino primário e secundário, escolas comerciais e escolas de ensino superior, a organização financeira em bancos, espaços de lazer e clubes, entre outros


OLIVEIRA (1967), descreve a importância da colônia germânica, segundo ele:


"Se Mariano Procópio, ao iniciar as obras da Rodovia União e Industria, não tivesse estabelecido em Juiz de Fora uma colônia de imigrantes é certo que à cidade não teria se beneficiado tão rapidamente do surto do progresso que a nova estrada lhe deu, transformando uma simples aldeia como tantas outras existentes na província, num empório para o qual convergiam logo as atenções da metrópole e dos estrangeiros que a visitavam."


No ano de 1856 chegaram os primeiros alemães, engenheiros, técnicos e operários especializados, para a construção das obras de infra-estrutura da estrada. Após 2 anos da chegada destes imigrantes, de acordo com STHELING (1979), Juiz de Fora já tinha uma população de aproximadamente 1200 alemães, constituindo a "Colônia D.Pedro lI". Juiz de Fora, que nesta época possuída uma população de


aproximadamente 600 habitantes urbanos, teve seu número triplicado com a chegada dos imigrantes germânicos, fator de grande importância para o progresso da cidade.


A ginástica na Alemanha


Na Alemanha, a ginástica surge por volta da segunda metade do século XIX sobre a forma de métodos ginásticos e com algumas finalidades como a de regenerar a raça, promover a saúde, desenvolver a coragem, vontade, a força, energia, a moral e particularmente a defesa da pátria, uma vez que este país, no início do séc. XIX, não havia ainda realizado a sua unidade territorial. Era preciso, portanto, criar um forte espírito nacionalista para atingir a unidade, a qual seria conseguida por homens e mulheres fortes, robustos e saudáveis. (SOARES, 2001).


Neste período, com a Revolução Industrial, houve a necessidade de um grande número de pessoas para trabalharem na cidade, abandonando cada vez mais a população o campo. Entretanto, o crescimento rápido e desordenado das cidades, não foi acompanhado por medidas de saneamento, surgindo assim as grandes epidemias.


Este problema passou a ser acompanhado pela burguesia que estava preocupada com a mão-de-obra e principalmente com a produção. Paralelamente, os médicos higienistas procuravam medidas para uma melhora daquele quadro social através do desenvolvimento de exercícios ginásticos


A ginástica torna-se então uma forma de disciplinar o trabalhador e prepara-lo caso reserva militar. No campo educacional como forma de desenvolver a mente e um corpo saudável.


Como idealizadores da ginástica na Alemanha, têm-se Guts Muths, Adolph Spiess e Friederich Ludwig Janh, cada qual com direções diferenciadas da prática da ginástica, sendo um dos mais representativos Jahn pelo seu caráter militarista e pela criação dos aparelhos ginásticos.


AZEVEDO (1920) destaca em sua obra:


"a ginástica alemã professa que não se podem adestrar facilmente as ginastas sem se exercitarem no manejo de múltiplos aparelhos, que ela emprega, concebendo assim mais à destreza do que à higiene, mais à força do que à estética, mais ao músculo do que à sua saúde. "


Através do modelo militarista adotado pela ginástica alemã, de teor patriótico, que Jahn reforçou a possibilidade de afirmação de seu movimento de ginástica denominado "Turnen". Desde suas origens, o "Turnen" incorporava outros tipos de exercícios e práticas esportivas que visassem o disciplinamento, o engrandecimento, o fortalecimento moral e corporal do praticante com motivos sociais e políticos bem definidos.


o "Turnen" no Brasil


A partir de 1824, a imigração alemã trouxe consigo para o Brasil o "Turnen" (Ginástica Alemã) tornando esta prática um hábito de vida. Promoveu manifestações em todos os Estados do sul do país, estendendo-se também ao Rio de janeiro, São Paulo, Espírito Santo e mais tarde em Minas Gerais. O cultivo do "Turnen", foi um mecanismo de manutenção da identidade teuto-brasileira, e não significava um impedimento ao desenvolvimento do nacionalismo brasileiro.


No Rio de Janeiro, então capital do país, o "Turnen" era uma das formas de exibição existentes no Cassino Fluminense, o mais famoso lugar de diversão da cidade


em meados do século XIX. No Rio Grande do Sul, uma das formas de preservar o modo de ser alemão, foi a criação de clubes de ginástica, principalmente o "Turnerbund em Porto Alegre, que hoje leva o nome de Sogipa (1892), Em Minas Gerais, o "Turnen" se fez presente na criação do "Turnerschaft"(1909) em Juiz de Fora. Em São Paulo (1888), é fundada a União de Ginástica Alemã, que mais tarde passou a ser denominada Associação de Cultura Física.


Primórdios do Turnerschaft


Os imigrantes alemães trouxeram para a cidade de Juiz de Fora uma grande riqueza cultural, principalmente a prática de atividades físicas.


Com a consolidação econômica e conseqüentemente a formação de uma a "elite" alemã representativa na cidade, deu-se início a uma intensa vida social, com destaque aos encontros semanais nos parques das cervejarias existentes em Juiz de Fora, com o objetivo de promover o lazer e o encontro das famílias.


A freqüente adesão a estes encontros que aconteciam em especial no Parque da Cervejaria "Dois Leões", situado à Avenida 7 de Setembro em Juiz de Fora, encorajou o então proprietário Sr. Carlos Stiebler a instalar, por sugestão do Sr. Hans Happel, assíduo freqüentador e entusiasmado com a juventude presente, alguns aparelhos para a prática de ginástica, tais como: argola, barras paralelas e um trapézio. Esta iniciativa deu início ao que viria a ser o Primeiro Clube Ginástico do Estado de Minas Gerais, em 1909.


O fato da maioria dos praticantes ser de origem alemã, recebeu o Clube a denominação de "Turnerschaft", em referência ao "Turnen" alemão. Inicialmente, o "Turnerschaft" foi anexado a então existente Sociedade Teutônia que tinha por objetivo a congregação dos interesses culturais dos alemães.


Com o desenvolvimento das atividades, a sociedade juizforana passou a participar destes encontros na cervejaria. Assim, no ano de 1910, foi eleita a primeira diretoria, que passou a divulgar as atividades tomando o clube uma instituição cada vez mais freqüentada pela sociedade. A diretoria era formada pelos seguintes sócios: Mateus Kascher, Gustavo Nietzsch, Joaquim Ferreira Pinto, Carlos Stiebler e Hans Happel. Os primeiros instrutores de ginástica foram Gustavo Nietzsch e Hans Happel.


As primeiras atividades (1908 a 1914)


Inicialmente, as atividades do "Turnerschaft" eram realizadas no Parque da cervejaria Stiebler com a instrução do alemão Hans Happel, campeão de ginástica Mundial (Jornal Correio de Minas, 1920). Como instrutor, ele desenvolveu atividades que tinham como base, os ideais da Escola Alemã. Foi através de suas práticas, que esta atividade se difundiu para a sociedade juizforana, aumentando assim o número de adeptos.


Durante ala diretoria, foram realizados vários eventos sociais com os objetivos de divulgar o "Turnerschaft" e ao mesmo tempo arrecadar dinheiro. Durante estes eventos, eram realizadas exibições de exercícios ginásticos e concursos entre os alunos.


Adotou o "Turnerschaft" o lema "Os exercícios fortalecem o corpo" e por escudo os quatro efes alemães dispostos a formar uma cruz, com o significado: Frisch (jovial), Fromm (devotado), Frolich (alegre) e Frei (livre) ou apenas franco, fIrme, forte e fIel.


No ano de 1913, o então Presidente da Liga Mineira Contra Tuberculose, Sr. Dr. Eduardo de Menezes, reuniu a diretoria do clube para uma reunião com o intuito de instalar um estabelecimento modelar de cultura fisica.


Aceito o projeto pelos diretores, o "Turnerschaft" se instalou no prédio da Liga Mineira contra Tuberculose, hoje onde está instalado em Juiz de Fora o Hemominas e o Palácio da Saúde, dando início à uma fase de grande desenvolvimento, com a participação em eventos sociais, cívicos e religiosos em Juiz de Fora.


Com o início da II Guerra Mundial (1914-1918), os diretores do Clube e instrutores ginásticos foram obrigados a se afastarem do comando das atividades em decorrência de suas nacionalidades, modificando o nome de "Turneschaft" para Clube Ginástico de Juiz de Fora, assumindo a instrução de ginástica o então aluno de Hans Happel: Caetano Evangelista.


A consolidação das atividades do Clube Ginástico (1916 a 1961)


o período em que o instrutor de ginástica Caetano Evangelista esteve a frente do Clube Ginástico, foi uma época de grande desenvolvimento e difusão do esporte na cidade. Como atleta, Caetano destacou-se no cenário esportivo como Vice-Campeão Sul - Americano e Campeão Brasileiro de Ginástica, contribuindo desta forma ainda mais para o reconhecimento desta instituição.


Além da ginástica, o clube passou a oferecer à sociedade juizforana outros esportes, os quais ao longo de sua prática, possibilitou grandes resultados nos mais diversas competições no país. Dentre eles: voleibol, basquetebol, futebol, atletismo e tênis que eram proporcionadas a todas as faixas etárias, sexo e etnia.


O Clube teve também durante este período influência direta na fundação de várias instituições esportivas existentes na cidade de Juiz de Fora como o Tupinambás Futebol Clube, Tupi Futebol Clube, Sport Clube Juiz de Fora, Esporte Clube Mariano Procópio e o Clube de Tênis Dom Pedro lI, além da fundação de Ligas esportivas como a Liga de Futebol de Juiz de Fora.


No âmbito educacional, teve papel significativo no desenvolvimento da prática de atividade física em diversas instituições de ensino, através do professor Caetano Evangelista e de alguns de seus atletas que foram professores de instituições de ensino como a Escola Normal, Colégio Stella Matutina, Instituto Granbery e Colégio Santa Catarina.


No ano de 1961, falece Caetano Evangelista, atleta e professor que esteve à frente do Clube por 45 anos ininterruptos, assumindo o seu aluno Ítalo Paschoal Luiz.


As últimas realizações do Clube (1961 a 1979)


Ao assumir o Clube Ginástico de Juiz de Fora, o professor Ítalo procurou dar continuidade ao trabalho já desenvolvido pelo seu professor Caetano.Incrementou atividades como a capoeira, então realizada pelo Grupo Meia Lua, e ainda exercícios de força combinada com a formação de grupos que faziam exibições e apresentações em acontecimentos públicos.


Neste período passaram pelo Clube grandes atletas que posteriormente seguiram a profissão de professores de Educação Física, chegando a ocupar cadeiras na Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora - MG, como os professores Paulo Bassoli e Hommel Jaenick.


Com o passar dos anos e o surgimento de outros lugares para prática de exercícios, o Clube começou a trabalhar com dificuldade. O número de alunos diminui e o Clube foi obrigado a ceder seu espaço a outras instituições.


Infelizmente, no ano de 1979, em decorrência de urna obra viária, no que resultou o chamado "Mergulhão", o Clube teve suas atividades encerradas. Vários foram os protestos judiciais para evitar o fechamento, mas nenhum deles foram acatados.


Assim, em 1979 termina a história de um Clube que ao longo de seus 70 anos de atividades, foi um dos principais responsáveis pela inserção de urna cultura esportiva na cidade de Juiz de Fora.


Concluindo, a cidade de Juiz de Fora desde a chegada dos primeiros alemães, foi palco de grande desenvolvimento e realizações, com seus vários atos de pioneirismo no comércio, na indústria e no âmbito cultural e educacional. Urna importante influência e contribuição deixada por eles,foi a criação do Primeiro Clube de Ginástica de Minas Gerais, fundado em 1909. Esta instituição, ao longo dos seus 70 anos de atividades prestadas à sociedade, teve papel fundamental para a consolidação desportiva na cidade, proporcionando urna grande riqueza cultural e esportiva que até hoje é lembrada por vários personagens da sociedade juizforana e do Brasil.


Referência Bibliográfica


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Por Jakeline Duque de Moraes Lisboa

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