Identidades Descaracterizadas ou Roubadas

Nilo Franck

Nilo

// - :












          IDENTIDADES  DESCARACTERIZADAS  OU  ROUBADAS


           POR: Altair Reinehr para o VII CAAL DE POZUZO.


 


    O conceito de IDENTIDADE CULTURAL é necessariamente amplo, quando analisamos as perseguições lingüísticas, religiosas, políticas, econômicas e educacionais aos teuto-brasileiros, antes, durante e após a 2 Guerra Mundial. No campo material os imigrantes e seus descendentes tiveram seus bens desapropriados. As escolas e seus terrenos, motocicletas dos pastores, rádios, bibliotecas eram desapropriadas pelos policiais. Até cemitérios foram desapropriados e túmulos, com sobrenomes alemães na lápide, destruídos. (fatos de tal ordem também aconteceram aos ítalo e nipo-brasileiros. Em outros países estas 3 etnias e culturas sofreram idênticos ataques).


    É interessante lembrar que – no caso do Brasil – os imigrantes alemães desde a sua chegada oficial ao Brasil em 25/07/1824, tiveram uma grande preocupação com ESCOLAS, que aqui não existiam. Para não verem seus filhos e netos se criarem, todos, analfabetos, puseram mãos à obra e construíram ESCOLAS às próprias custas. E também pagavam os docentes. Foi assim que surgiram as ESCOLAS COMUNITÁRIAS (GEMEINDESCHULE) e as ESCOLAS PAROQUIAIS (PFARRSCHULE), todas custeadas pelos pais dos alunos.


    Diante do total descaso das autoridades brasileiras da época, era natural que aqueles pioneiros “se agarrassem onde era possível...!”Da Alemanha receberam valiosas colaborações, notadamente através das Igrejas = Católica e Evangélica (IECLB). E inúmeros docentes também vieram da Alemanha e aqui alfabetizaram gerações. ( O meu finado pai nascera em 1923 e foi alfabetizado por uma freira alemã). E obviamente, esta alfabetização foi no idioma alemão e com letras góticas alemãs. Com muito zelo e carinho eu guardo a sua GRAMÁTICA ELEMENTAR DA LINGUA ALEMÃ..., que era o livro texto da época. E o ensino era direcionado à REALIDADE LOCAL da época.


    Durante o estado novo – DITADURA VARGAS – do hoje para o amanhã passou-se a exigir dos imigrantes e seus descendentes o que durante mais de um século sempre lhes fora negado, ou melhor, “NEM LEVADO EM CONTA...!” Era proibido falar alemão! E português não sabiam... Afinal, iriam aprender português “ONDE...?” E COM QUEM...? E a perseguição àquela gente foi algo terrível. Poucas foram as pessoas, que conseguiram continuar vivendo em paz naquele período, que não tiveram algum tipo de prejuízo.


    No Estado de Santa Catarina, o então INTERVENTOR = espécie de governador biônico – NEREU RAMOS, ordenou o fechamento de mais de 400 escolas alemãs, italianas e polacas, que eram de boa qualidade e que os NACIONAIS também podiam freqüentar. E em nome dum “ESQUISITO NACIONALISMO IGNORANTIZADOR”não conseguiu abrir nem 200. Eram ESCOLAS, que o Estado não construíra e na grande maior parte delas não pagava os docentes...! Não sei o número de ESCOLAS FECHADAS no estado do Paraná, nem no estado Gaúcho. Só sei que neste, o número foi maior que em Santa Catarina.


    Os resultados práticos disso tudo foi UMA QUASE GERAÇÃO DE ANALFABETOS pessoas traumatizadas, feridas em seus brios, na sua cultura, em suas convicções religiosas e em tudo o que dizia respeito ao seu DIA A DIA... Ainda é interessante relembrar o seguinte:  A IMIGRAÇÃO ALEMÃ TEVE INÍCIO EM 1824! O REGISTRO CIVIL SÓ PASSOU A EXISTIR A PARTIR DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚB LICA, EM 1889. PORTANTO, ATÉ AÍ, BEM BRASILEIROS PODIAM SER . Até aí, o padre fazia tudo... Os Evangélicos só tiveram seus ofícios reconhecidos a partir de 1867... É possível a gente entender tal CONTEXTO NACIONAL.


     Falar alemão, ter um sobrenome alemão e outras características alemãs, eram um constante motivo para deboches, desprezos e humilhações. E em muitos casos eram motivos de prisões, espancamentos, cobranças de multas abusivas, e outros maus tratos, que levaram inúmeras pessoas à morte.


    Espalhou-se a falsa idéia de que ‘ A LINGUA ALEMÃ E A ITALIANA atrapalhavam o aprendizado da LINGUA PORTUGUESA. O Ingles e os Frances da época não atrapalhavam. Quem aprendeu alemão por primeiro, nunca falará bem o português. E ainda. O ALEMÃO É MUITO DIFÍCIL Quem não o aprende desde o berço, nunca o saberá em nível regular ou BOM. A solução era, pois, deixar de falar alemão e impedir que as crianças aprendessem este idioma, de tão respeitável cultura, e que tanto tem a nos oferecer. Isto foi uma PUNHALADA CONTRA ESTA CULTURA, pois de todos os aspectos duma CULTURA – o mais importante de todos – é exatamente o IDIOMA, pois é através dele que tudo nos é repassado.


    Pessoas, que falavam alemão, eram vistas como ATRASADAS CULTURALMENTE, ou até como não bons brasileiros. Era algo vergonhoso. E de tantos deboches e humilhações, muitos teuto-brasileiros se envergonhavam passavam a sentir vergonha das suas origens. Deixaram de falar alemão, bem como de rezar e cantar neste idioma. As novas gerações cada vez menos recebem os benefícios desta rica cultura.


    Paralelo a este descalabros, difundiu-se a idéia de que na disciplina LINGUA PORTUGUESA ninguém poderia obter a NOTA MÁXIMA. Nas disciplinas de Ingles e Frances pdia-se obtê-la... vejam que absurdo! Portanto, se os idiomas ALEMÃO E ITALIANO eram incompatíveis com o PORTUGUES, a única saída era, pois, dar a máxima ênfase à LINGUA PORTUGUESA  e excluir a ITALIANA E ALEMÃ. Se falar alemão e italiano era coisa de GROSSO, esnobar um pouco de Frances e ou inglês macarrônico, era ‘STATUS’.


    O CANTO CORAL, que também fora trazido ao BRASIL pelos imigrantes alemães, está cada vez mais empalidecendo! O mesmo pode-se dizer dos Centros culturais 25 de julho. Neste particular, nota-se que ítalos-brasileiros não se deixaram intimidar tanto. Muitas sociedades de CULTURA ALEMÃ têm vergonha de entoar cantos neste idioma, por ser MUITO DIFICIL Em 19/09/2009, na cidade catarinense de PINHALZINHO – próximo a MARAVILHA – realizou uma FESTA ITALIANA, onde 09 corais se apresentaram, entoando 3 cantos, cada. Dos 27 cantos apresentados, apenas 5 não eram em italiano... E em FESTAS ALEMÃS, quantos cantos são em ALEMÃO? A falta da identidade cultural é cada vez mais notável.


    Mas também no CAMPO RELIOGIOSO houve ataques violentos contra tudo o que dissesse respeito à germanidade. Sacerdotes católicos, oriundos da Alemanha, chegaram a ser presos, ou no mínimo VIGIADOS DE CIMA. Pastores evangélicos, então, chegaram a ser PRESOS DURANTE CELEBRAÇÕES DE CULTOS. È interessante lembrar que – naqueles tempos – assim como o LATIM  era a língua oficial da Igreja Católica, o ALEMÃO era a língua oficial da Igreja evangélica. Nem a casa de DEUS respeitavam.


   Mas os abusos e autoritarismos não paravam por aí. Igrejas Evangélicas eram fechadas, ou transformadas em postos policiais. Em diversas comunidades o DESRESPEITO, contra os EVANGÉLICOS extrapolava todos os limites. EX  REALIZAR BATIZADOS SIMBÓLICOS DE CAVALOS DENTRO DAS IGREJAS  alem de outros atos, que atentavam duspudoradamente contra a higiene.


    As agressões contra a CULTURA ALEMÃ foram notadas em outros setores, também, ruas com nome alemães – até mesmo municípios – tiveram seus nomes trocados, aportuguesados ou traduzidos. EX DEIZEHN LINDEN = TREZE TILHAS, NEU HAMBURG = NOVO HAMBURGO, NEW WUTTEMBERG = PANAMBI e outros tantos. Firmas de médio e grande porte, não podiam ter nomes alemães (Também houve exceções, é claro.) Por exemplo: em Pelotas-RS, o estabelecimento comercial FERRAGEM NIECKELE passou a chamar-se FERRAGEM AMERICANA, em Joinville-SC a renomada METALÚRGICA TUPY da tradicional família SCHMIDT por uma questão de nacionalismo estado-novista, não recebeu o nome da família proprietária.


    Autoridades e ...escritores... não poupavam escárnios e todas as formas de humilhar e ou diminuir tudo o que tivesse AROMA DE ALEMÃO, ITALIANO, JAPONES e também outros, que não fossem luso-brasileiros. Salvem-se honrosas exceções. O tenente coronel AURÉLIO DA SILVA PY, ERALDO RABELO, WALTER SPALDING, CORDEIRO DE FARIAS E NEREU RAMOS foram alguns dos mais notórios germanófobos. Paralelo a tudo isso é deveras interessante lembrar que, até 1939, quando GETÚLIO VARGAS flertou com ADOLF HITLER, o nazismo era aceito publicamente, e com toda a naturalidade, no sul do Brasil. Getulio Vargas e Hitler, e todos os ditadores daquela época – ideologicamente falando – eram VINHO DA MESMA PIPA. Eram denominados EXECUTIVOS FORTES, para não dizer DITADORES.


    Neste quadro novo – antes, durante e após a II GUERRA MUNDIAL – pode-se imaginar o ESTADO DE ÂNIMO, A AUTO-ESTIMA daquelas pessoas, debochadas e desprezadas publicamente, arcando com toda sorte de prejuízos e humilhações. Simultâneamente teve início a tão badalada AMERICANIZAÇÃO. Casas no estilo americano, cozinha americana – em suma – o AMERICAN WAY OF LIFE substituiu o MODUS VIVENDI até então em moda... Em termos econômicos e culturais, os americanos passaram a se impor cada vez mais, em detrimento de outras culturas.


  Como uma coisa sempre puxa a outra, com a AMERICANIZAÇÃO em alta, a GERMANIDADE entrou em declínio. E o que era pior, muitos teuto-brasileiros passaram a se desinteressar por tudo aquilo que dizia respeito às suas origens, às suas RAÍZES CULTURAIS. E chegavam até a sentir vergonha.


    As SOCIEDADES ORGANIZADAS recreativas e culturais começaram a perder terreno. Juventude sempre menos preocupadas em ASSUMR COMPROMISSOS  o VEREIN (CLUBE OU ASSOCIAÇÃO)passou a ceder lugar aos LIONS E ROTARY, CÂMARA JUNIOR e outras do gênero, todas de origem ANGLO-SAXÔNICA-AMERICANA.


    Esta nova situação teve profundas influências em muitas pessoas, a tal ponto de muitas – algumas por desânimo e outras tantas para ser verem livres das sistemáticas e desumanas perseguições – aportuguesaram, traduziram ou simplesmente adotaram sobrenomes, - . VEJAM ALGUNS EXEMPLOS;


     BURGER, BERGER  - BORGES             FREITAG – FREITAS


    MARTENS – MARTINS                         KARNHOFER – CANOFRE


   KURT – CURTE                                       HASE – COELHO


  WOLF – LOBO                                        KAISER = CESAR


   KEIL – CUNHA                                      BACH – RIBEIRO


   LEHMANN (lema) – LIMA                   BECKMANN – BEQUIMÃO


   CLEMENS, KLEMENT – CLEMENTE   KORN – CORNE


   LUDWIG – LUDOVICO                        KRIEGER – GUERREIRO


   LOWE – LEÃO                                      SCHMIDT – FERREIRA


   KREUTZ – CRUZ                                   HOLZ – MADEIRA


  

  A adoção de outros nomes  (pseudônimos) eram formas de muitos intelectuais escaparem dessas perseguições. Um caso típico, foi o renomado escritor, professor, palestrante, GERMANO ALBINO JUNGES, gaúcho de TUPANDI-RS, autor de 21 livros, que não pode editar seu primeiro livro pelo fato de ter tido um sobrenome alemão: JUNGES! Foi então que ele pensou – JUNGES – JUNG = NOVO, NOVAES... Foi por isso que o escritor GERMANO ALBINO JUNGES virou GERMANO DE NOVAES... Eu e nossa familia toda com muita honra – tivemos o privilégio de conhecer GERMANO DE NOVAIS pessoalmente. E quando ele vinha a MARAVILHA, seu ponto de parada era na nossa modesta CASA DE PROFESSOR na Rua Sta Catarina, 120. E quando eu ia a CANELA-RS, a sua Casa de Pedra STEINHAUS era o meu ponto de parada. Era um homem muito culto e educado. Tinha uma palavra para cada humana criatura. Falava fluentemente SEIS IDIOMAS. Nem assim pode se ver livre dos GERMANÓFOBOS (DEUTSCHENFRESSER) de idos tempos,,, usando, contra a própria vontada, um pseudônimo literário, que lhe permitiu alcançar o sucesso, que efetivamente conseguiu. Germano de Novais faleceu tragicamente em acidente de trânsito no dia 26/05/2006.


   Caso semelhante ao de GERMANO DE NOVAIS, aconteceu com outro intelectual argentino – também escritor – HUGO WAST. Para poder continuar trabalhando em seu ofício adotou o pseudônimo literário “GUSTAVO MARTINEZ SUVIRIA”. E daí, tudo bem...!


   Se de outro caso, ocorrido na AUSTRÁLIA (segundo reportagem da TV DW), um imigrante alemão, dono duma empresa, que empregava cerca de 200 empregados, após a II GUERRA MUNDIAL teve de traduzir o seu sobrenome – SCHNEIDER = alfaiate = sastre = TAYLOR. Estes abusos de autoridade, não aconteceram apenas no BRASIL. AS DESCARACTERIZAÇÕES e ROUBOS DE IDENTIDADES aconteceram noutros países, também. Isto é deplorável.


    Além do que hoje afirmam os lingüistas pelo mundo afora, a UNIÃO EUROPEIA incentiva sempre mais a EDUCAÇÃO BILINGUE, Aqui mais perto de nós, no sul do Brasil, na comunidade de São João do Oeste-SC 93% das pessoas sabem falar alemão. É o município mais alfabetizado e mais bilíngüe do Brasil. (SJO está representado neste VII CAAL em POZUZO.


     O PROF ALTAIR REINEHR É LINGUISTA E MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES DA HISTÓRIA DAS COMUNIDADES TEUTO-BRASILEIRAS.


   


 




Por Altair Reinehr

Dock Gestão e Tecnologia