Deutsche mark, O marco assassino.
Nasci a 12 de junho de 1958, portanto tenho completos 35 anos. (Em 1993), Tenho mais ou menos 1,20m.
Atualmente moro no bairro Borboleta, logo no início do bairro. Há pouco mais de um mês, exatamente no dia 17 de novembro de 1993, fui atropelado por um carro em desgoverno. Atirado ao chão, sofri escoriações e ferido encontro-me até hoje. As pessoas passam, olham e alguns de curiosidade até chegam perto para avaliar meu sofrimento. Outros, nem isso, passam sem perceber que existo.
Fui batizado em 10 de agosto de 1958 e nesse dia a festa foi de arromba. Vieram delegações de várias partes da cidade, do estado, do Brasil e até do exterior para festejar com Juiz de Fora minha chegada. Meus padrinhos foram nada mais que S.A. Imperial D.Pedro de Orleans Bragança, o herdeiro do “trono brasileiro” e o cônsul alemão em exercício à época.
O prefeito de Juiz de Fora era o saudoso Ademar Resende de Andrade, que anfitreou a solenidade do meu batismo. Nasci de um bloco de granito negro que foi trabalhado em forma triangular e em mim incrustadas três placas de bronze. “Numa o nome das autoridades legislativas e executivas da época da imigração (1858, na outra as mesmas autoridades de então (1958) e noutra, num emblema lembrando as indústrias da cidade, os seguintes dizeres: “Centenário da colônia alemã D.Pedro II” – 1858 – 1958 – 12 de junho”.
Sim, sou o marco da pedra que foi erigido originariamente na Praça Agassiz, desta cidade e solenemente inaugurado do modo acima descrito. Lá, permaneci por muito tempo, no meio da praça onde pessoas transitavam e crianças brincavam alegremente à minha volta, até que um dia ...
Talvez por erosão, ou por desgaste em minhas bases, fui causador de uma morte. Um jovem foi esmagado por mim, após ter sido empurrado por um seu companheiro. Fui processado, julgado e condenado. Minha pena foi cumprida na reserva do Poço D’Antas. Lá, abandonado e esquecido, com mato e terras à minha volta, fiquei interditado por muito tempo ...
Até que, por ocasião da IV FESTA ALEMÃ, em setembro de 1990, reassumida após 15 (quinze) anos pelos descendentes dos imigrantes alemãs residentes no bairro Borboleta fui lembrado e tirado do ostracismo.
Após indigentes esforços junto à administração municipal, que dizia não ser possível reerguer-me novamente em praça pública, já que era réu culpado e condenado, e, mais ainda, prova de um crime, conseguiu-se, com a ajuda do vereador do bairro, José Mauro Krepk, também descendente de colonos imigrantes, como este articulista, levar-me até o “ponto geográfico-histórico” onde uma bifurcação marca o início da Colônia de Baixo (Borboleta) e a estrada que levava e leva até as regiões da Colônia de Cima (São Pedro) e lá, fui novamente erigido numa pracinha construída pela Prefeitura especialmente para receber-me. (Atual Praça do Imigrante Alemão)
Para evitar-se novamente acidentes como o da Praça Agassiz, quando fui condenado por assassinato, fui “empalado”, isto é, perfurado com uma broca até o meio, e fui assentado sobre um ferro chumbado ao chão.
Nem isso foi suficiente para evitar minha queda, devido ao forte impacto do automóvel desgovernado.
Hoje, ainda estou na horizontal, deitado sobre a grama e desavergonhadamente exposta a minha parte baixa, mostrando o ferro entortado saindo de meu interior. É muito triste tal cena.
Mas, apesar de tudo, estou satisfeito. Impedi outras mortes. Tal veículo desgovernado, não tivesse me atropelado, teria feito vítimas fatais, já que pela rua passavam algumas crianças à caminho da Escola, naquele exato momento. Passando por mim, certamente atingiria o grupo de meninos.
As autoridades municipais sabem do acontecido? Claro que sim. Primeiro avisou-me e foram pedidas providências ao Departamento de Patrimônio Municipal (afinal, sou parte do patrimônio cultural de Juiz de Fora, ou não sou?), após a SETTRA comunicado o acidente; daí passou-se à FUNALFA, Empav e à SMO. Até hoje só promessas, isso por parte da SMO já que as demais repartições se dizem “incompetentes” “in casu”.
E olha que o bairro Borboleta tem duas Sociedades Culturais, o Centro Folclórico Teuto-Brasileiro e a Associação Cultural Brasil-Alemanha, e ainda a SPM e ainda um vereador descendente de teutônicos. Será que nem assim as “autoridades” não têm sensibilidade para resolver meu problema? Estou ferido, com escoriações, sujo de terra ... Seria muito bom eu não ficar como o Brasil ... “Deitado eternamente em berço esplêndido” ... minha posição galhardamente deve ser na vertical, não na horizontal com minhas partes baixas expostas ao público.
Em junho de 2.009, fui atacado na surdina da noite. Malfeitores, utilizando ferramentas poderosas, destacaram de meu corpo uma das placas de bronze, a mais trabalhada artisticamente, levando-a e deixando extensa cicatriz exposta. As demais placas, que ostentam a relação dos vereadores de 1858 e 1958 respectivamente, também tentaram levar, mas, não conseguiram, somente deixaram marcas das tentativas.
É triste a sina de um bem público. Afinal, o que é público é de todos ou não é de ninguém, infelizmente.
Um povo que não se preocupa com seu patrimônio cultural, que não cultua seu passado, que futuro espera?
VICENTE DE PAULO CLEMENTE
Bisneto do imigrante alemão Phillip Clemens