Memorialistas Alemães

Nilo Franck

Nilo

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Memorialistas Alemães
Depoimentos de memorialistas constituem-se em fonte im­portante na pesquisa histórica, considerando que os autores viven­ciaram os fatos ou circunstâncias que passam a relatar, constituin­do-se, portanto, em fonte primária de informação. Os relatos real­çam geralmente aspectos regionais, abrangidos pela vivência do autor. São peculiaridades que muitas vezes fogem à apreensão glo­balizante, detendo-se a fatos compreendidos pela micro-história.

Dentro deste aspecto, trazemos a este Seminário um apanhado das informações de alguns memorialistas alemães que documenta­ram sobre a História irnigratória, em especial do Rio Grande do Sul.


Brummer. Em 1851 o governo brasileiro contratou na Euro­pa a Legião Estrangeira, para atuar como reforço do exército na­cional nas guerras contra o ditador Rosas, da Argentina. Apenas um pequeno grupo lutou na batalha do Rosário ou Ituzaingó, que derro­tou Rosas, em fevereiro de 1852. Após a desmobilização, a metade dos 1.800 legionários contratados permaneceu em solo sul-rio­grandense, espalhando-se os soldados e artífices como agricultores e profissionais pelas colônias então em formação (8. Leopoldo, Nova Petrópolis, Agudo, S. Cruz, S. Lourenço), enquanto oficiais atuaram como professores, agrimensores, diretores de Colônia, comerciantes. Barão von Kahlden, Frederico Haensel e Ter Brüg­gen chegaram a deputados na década de 1880, além de Carlos von Koseritz, que com eles imigrou e conviveu, notabilizando-se por sua efetiva colaboração na imprensa. Joseph Hõhrmeyer tomou-se agente de imigração, com atuação na imprensa européia, editando li vro promocional

Em 1997 reunimos os depoimentos dos Brummer Lenz, Schãfer e SchnackI, acerca de suas atividades no Brasil.


Cristóvão Lenz teve suas memórias editadas em 1911, por oca­sião do 60" anÍversário da chegada dos Brummer ao Brasil. Seu relato é canalizado para a travessia transatlântica dos legionários, seu acam­pamento no Prata e atuação dentro de guarnições brasileiras. Cerca de lí4 dos legionários morreram. 50% desertaram pelas condições preca­rissimas de sobrevivência na vida de caserna; o restante radicou-se no Brasii após a desmobilização do exército. Lenz acrescenta informa­ções sobre a epidemia da cólera em Porto Alegre no verão de 1855-56, da qual ele, chapeleiro, escapou. Dentre os que se encamin.lmram para o magistério ressalta nomes meritórios, corno Michaelsen em Nova Petrópoiis, RS. Lenz reporta às divergências políticas entre Ter Brüg­gen e von Koseritz, o que, no seu entender, prejudicou a germanidade, que ambos defendiam. Exalta a exposição brasileiro-alemã de 1881, organizada por Koseritz e com presença maciça da colônia teuta radi­cada no Rio Grande do Sul e no BrasiL Finalmente, aborda a atuação dos Brummer na Guerra do Paraguai, que reativou em muitos o amor às armas, praticado desde a Europa.

As memórias de Henrique Seltafe" editadas no Kalender jUr die Deutsehen in Brasilien de 1914, c.onstarn de um diário que ini­cia com o tém1ino das guerras de Schleswig-Holstein, na Europa, 1850, quando os soldados, considerados traidores na pátria, se en­gajaram na Legião Estrangeira contratada pelo Brasil. Schãfer rela­ta, dia a dia, a viagem por mar, a chegada ao Brasil, depois a Pelo­tas e Jaguarão, no Rio Grande do Sul, onde foram engajados no exército brasileiro; a batalha contra o ditador Rosas, na qual parti­ciparam menos de duas centenas dos legendários; a vida péssima na guarnição e a ansiada desmobilização, em 1855; apenas 450 ho­mens aguardavam por ela, tendo os demais soldados morrido ou desertado para sobreviver. Schãfer atuou em Pelotas como marce­neiro, depois como colono em S. Lourenço, para onde imigrara sua irmã, adquirindo ambos terras loteadas por Jacó Rheingantz_

As memórias de Jorge JúlioSchnack foram editadas no Ka­lender für die Deutschen in Brasilien de 1915. O autor narra igual­mente sobre o engajamento dos Brummer; suas vivências em alto mar; a batalha contra Rosas, única da qual alguns Brummer partici­param; o sofrido retorno do front da guerra, via Montevidéu-­Pelotas-Porto Alegre. Permaneceram por três anos em Rio Pardo, cumprimento cláusula contratual de quatro ano, em meio à descura do govemo, falta de alimentos e vestuálio. Schnack recebeu terras na selva de S. Cruz, RS, onde se enfumou como colono e por lon­gos anos perdeu o contato com os antigos colegas de armas.

Revolução de 1893. Por ocasião do centenário daquela san­grenta Revolução, localizamos vários depoimentos. Traduzimos os do médico prático licenciado João Eickl1off2, do médico Teodor Firmbach3 e da então menina Teresia Hennrich4 - todos participes daquela cruenta guerra de irmãos contra irmãos.



João Eickhoff possuía quatro lotes coloniais em Taquara, on­de trabalhou como médico e marceneiro. Maçou, simpatiza.'1te de Silveira Martins, teve de refugiar-se quando eclodiu a Revolução e sobre ele pairava ameaça de degola, emanada do prefeito de Taqua­ra. Incorporado aos maragatos que tentavam impedir a remessa de armas dos Iegalistas ao comandante Salvador Pinheiro Cabral, esta­cionado na Serra, serviu como médico a um piquete de alunos da Escola Militar. O malogro da missão obrigou a uma retirada estra­tégica, desabalada, Serra abaixo. Em caminho, assistiu ao levante de S. Maria do Mundo Novo e às falcatruas eleitorais locais. En­volveu-se em comércio ilícito de gado procedente da Serra, sendo levado à prisão de Porto Alegre e ameaçado de morte. Todos esses lances emprestam um tom aventuresco à narrativa de Eickhoff Foi liberto com a condição de não retomar a Três Coroas (Taquara). Aí a mulher, por anos responsável pela criação dos filhos, tomou-se "muito nervosa", tocando-lhe vender terras e benfeitorias do casal por preço irrisório. O mesmo teve de fazer o irmão Luiz Eickhoff, radicado com cartório e serraria em Sapiranga Mudaram-se ambos para Barracão (Ijuí), onde Luiz adquiriu 100 hectares de terras e João se dedicou ao atendimento médico da população. Bem quisto, a comunidade lhe erigiu monumento de reconhecimento após seu falecimento, em 1936.

Teodor Fírmbach, médico formado, estava radicado em Es­trela quando estourou a Revolução Federalista. Sua narrativa repor­ta aos conflitos entre as duas correntes políticas: governistas e f'ede­ralistas. Havia na região do vale do rio Taquari um terceiro grupo, os "serranos", gente desalojada das terras devo lutas que ocupavam, por conta de loteamento para imigração, na década de 1870. Apro­veitando da Revolução para recuperar prejuízos, piquetes de serra­nos percorriam as Picadas interioranas à procura de animais, víve­res, objetos para saquear e de homens para incorporar às suas filei­ras. Santa Clara (do Sul), à época distrito de Lajeado, foi das Pica­das que por mais tempo ficou à margem das incursões de vanda­lismo. Mas em 1895 recebeu ameaça de invasão e exterminio. ln­continenti, a comunidade se mobilizou: treinamento militar sob a chefia do líder José Diehl, aquisição de armas modernas na Capital, orações na igreja, guarda contínua na entrada e na saída da Picada ... Em 28.5.1895 os invasores surgiram de madrugada e a comlli'1Ídade resistiu heroicamente ante o grupo numericamente muito maior. De tudo Firmbach fez registro, requisitado que foi pelo intendente de Lajeado para acorrer aos feridos de Santa Clara. Sua narrativa real­ça o espírito de união e o heroismo dos santa-clarenses.

Teresia Hennrich foi menina de doze anos quando assistiu o assalto de serranos à casa comercial de seus pais, em WaUachei atual município de S. Maria do Herval, RS. As memórias escritas 60 anos mais tarde, ressaltam o dia-a-dia da pacata comunidade rural e a maneira que esta encontrou para burlar as limitações im­postas pela guerra civil; os colonos abriram estrada secundária dando acesso a suas roças, donde retomavam em grupo, à tardinha, entoando canções alemãs. Teresia registra fatos como o roubo de cavalos (o meio de transporte por excelência na época); saques de maragatos a vendas e açougues, o assassinato de um andarilho re­cém imigrado, que se oferecia para ser professor da comunidade. Aponta o preto Malaquias como o maior degolador das hordas de serranos invasores, acabando assasinado pelos moradores de Dois Irmãos. Wallachei dispunha de inspetores de quarteirão, montando guarda de 24 horas na entrada e saída da Picada. A comunidade recebeu reforço de policiamento por parte do governo, fato raro durante a Revolução F ederalista.

Madame von Langendoncli.. A maioria absoluta dos imigran­tes foi movida por dificuldades econômicas, em busca de nova pá­tria Houve os soldados mercenários contratados em 1824, por D. Pedro I, e os Brummer de que à frente se aliou, soldados mercená­rios para as guerras do Prata, 1851. Um número Ínfimo veio movido por espírito de aventura, pelo desejo de terras ou, no caso da belga Marie Barbe Antoinette Rutgeers von Langendonck5, por amor à natureza, à liberdade, ao desejo de poder conviver com a selva, já então inexistente na Europa Langendonck em 1857 imigrou ju..'lto com 150 imigrantes "li­vres", isto é, que haviam pago sua viagem, alguns munidos de di­ih~eiro e de mercadorias, o que lhes valeu de não passarem fome no navio que levou dois meses e dez dias até o Rio Grande do Sul

Em suas memórias essa imigrante abonada e com desejo de conhecer a selva, desgostou da areia que tomou a cidade portuária de Rio Grande, ao contrário da "cidade bonita" de Porto Alegre, com suas edificações novas. Aí recebeu recomendação de não se embre­nhar na mata, pelas dificuldades não habituadas que a aguarda.'Íarn.

Mas Léon, um dos filhos que veio com ela, se adiantou e via­jou para a Colônia de Montravel, para erguer choupana no meio da floresta, para aguardar a chegada de mãe e do irmão.

Montraval era a Colônia de Nossa Senhora da Soledade que o Conde francês Montravel fonnava junto ao anoio Fenomeco, no atual município de Soledade, RS. Formada por "elemento humano demasiadamente heterogêneo e nem sempre da melhor qualidade ­alemães, holandeses, franceses suíços", somado à pouca experiência de colonização do Conde, a iniciativa teve apenas uma experiência efêmera - ocaso que no entanto Madame Langendock não viu pois retirou-se antes.

De Porto Alegre, a nova imigrante viajou de navio até o "porto do major Guimarães", onde a chuva a reteve por dez dias. Seguiu a cavalo até Harmonia, onde, no escritório da Colônia de Montravel, tomaram a lhe aconselhar que não seguisse, pelas dificuldades que a aguardavam. Porém, mais urna vez venceu o impulso aventureiro, o desejo de conhecer os encantos e os segredos da floresta.

Em HannonÍa parou em casa de um rico fazendeiro, cuja mu­lher estudara no Rio de Janeiro; era culta, falando o francês correta­mente. O casal tratava com humanidade seus escravos. Uma delas, Flora, muito fha, era a predileta porque sabia lavar, passar, cozinhar, costurar vestidos e até fazer crivo em golas de camisa.

Arranchada na selva, Langendonck descreve a gente mal enca­rada, saída da prisão, que os agentes de emigração enviaram ao pe­dido do Conde MontraveL Era a escória social, sem condições de povoar a colônia e com os quais ela não poderia conviver.

Descreve então as excelentes condições da natureza, as terras férteis junto ao rio, onde bem poderia o governo belga estabelecer urna Colônia com seus cidadãos.

Entrementes, madarne von Langendonck travou relações com uma família de indígenas aculturados, os Nunes, vizinhos que mora­vam a uma légua de distâ.ncia Com eles aprendeu noções de agricul­tura rudimentar, corno a "derrubada da mata, a coivara e a lavoura de rotação de terras". Máxima Nunes era prestativa e lhe fazia urna sé­rie de favores e serviços domésticos; entendia como ninguém de amuletos, de simpatia para cura de hérnias e outros males, e de ervas medicinais,- único recurso médico disponível. Com essa família assistiu à fogueira de S. João e à simpatia do ovo em copo de água que, só nessa data, era capaz de ler com precisão as venturas e desventuras do futuro.

Langendonck fala de suas experiências desagradáveis face a animais selvagens corno aranhas, cobras ou tigres, ou os macacos ruços que lhe roubaram a colheita de milho; registra também as pra­gas de mosquitos e percevejos e o terrível bicho de pé, que fazia in­char a perna até o joelho e podia levar à perda do dedo infeccionado.

Após dois anos de permanência na selva, em que menos cui­dou "do plantar" do que do "tudo observar", Langendonk vê os fi­lhos abandonares a íloresta. Retoma a Porto Alegre, onde entra em contato com gente irn1uente, e encaminha seus dois filhos para o aprendizado do oficio de agrimensores, que um deles exerceu.

Viaja para o Rio de Janeiro munida de carta de recomendação do cônsul francês de Porto Alegre para o cônsul Theodoro Taunay, que lhe consegue audiência com o Imperador Pedro II, com quem se corresponde após retomar à Bélgica, em 1860.

Em 1863 está de volta ao Rio de Janeiro. Em 1865, em Porto Alegre, oferece a D. Pedro, quando em caminho para a rendição de Uruguaiana, os serviços do filho para a Guerra do Paraguai. Sua cor­respondência posterior a essa data é datada de São Leopoldo, até 1869, e depois, da Serra dos Tapes (1872-1874), onde faleceu em 1875, septuagenária. Na última carta dá conta da intenção de publi­car um segundo livro de memórias, o que não chegou a efetuar.

O cristaleiro-colono. Josef Umann, com mulher e uma filhi­nha, aos 27 anos abandonou a zona de lapidação da boêmia, onde sofreu acidente quase fatal, em busca de "melhores condições de vida". É porta-voz da maioria absoluta dos imigrantes, que abando­naram a pátria por razões econômicas.

Em suas memórias6 narra sobre a insalubre profissão de lapi­dadof de cristal, que matava aos 35 anos pelo bacilo de Koch ou pela ingerência de pó de vidro nas aca.nJladas casebres da indústria vítrea.

Descreve a viagem imigratória: comida farta no transatlântico, aperto no navio costeiro, frio intenso na Lagoa dos Patos até Porto Alegre. A viagem continuou de barco pelo rio J acuí. De Rio Pardo

seguiram de carroça até S. Cruz, onde o cunhado o levou a cavalo até Venâncio Aires, tendo de penetrar na selva carregando penosa­mente seus baús às costas.

No Brasil estranhou inicialmente, como ademais todos os i­migrantes, a inclemência da selva para o desbravador, que lhe des­conhecia os segredos.

Traça um paralelo entre o proletário europeu, de longa jorna­da de trabalho, mísero salário e sem perspectivas de futuro, e os imigrantes que na nova pátria passaram inauditas dificuldades para vencer a mata escura com seus cipós entrelaçados e árvores gigan­tescas. A abertura da clareira para construção da choupana e para roçados enchia as mãos de bollias, só restando reprimir a dor e trabalhar, trabalhar, trabalhar ... Mas, apesar do cansaço, à noite Umann sentia-se "qual rei na Europa", repousando em tena pró­pria, que nenhum usurário poderia requisitar. Reconstitui as difi­culdades dos primeiros tempos, a solidariedade dos vizinhos, o aprendizado da seqüência agrícola semeadura-plantio-colheita, as melhorias no lote rural, o mutirão em trabalhos comunitários, como a escola para os filhos, a igreja, as estradas para colocação dos pro­dutos que sobravam na lavoura ...

Autodidata de muita leitura, Umann trabalhou pelo desenvol­vimento da nova pátria: foi colono, professor, vendeiro, incentiva­dor de trabalhos comunitários, flmdou duas Sociedades de Cmlto e Leitura, cultuou a germanidade. Socialista em sua terra natal, sen­tia-se feliz com a comunidade democrática que se construía na sel­va, onde todos eram iguais na propriedade de 25 hectares de tena.

O adolescente burguês. A semelhança de Madame von Lan­gendonck, João Weiss pertenceu ao pequeno grupo melhor aquinho­ado economicamente, que emigrou movido por aventuras ou desejo de terra própria. Memorialista, deixou valiosa narrativa(7).

Imigrou em 1912, com os pais e um casal de irmãos. O pai, proprietário de duas lojas de calçados em Munique, detestava a profissão e sonhava em ser senhor de terras. A bagagem da família

suplantava em muito a dos demais imigrantes. No Rio e em Porto Alegre tiveram opção de permanecer, mas o chefe da família, aves­so a trabalho assalariado, decidiu seguir para a colônia de Erechim, então em formação. João, 15 anos, descreve as desventuras que então começaram para sua família não habituada ao trabalho braçal, desconhecedora dos segredos da selva e dos amanhos da terra,

Num aberto às margens do rio Ligeirinho construíram sua choupana. Com a primeira chuvarada descobriram o porquê do "Lígeirinho", quando as águas em poucas horas transbordaram e inundaram a choupana, inutilizando farinha, açúcar e gêneros trazi­dos para saciar meio ano de fome na floresta A água encharcou também fatiotas e as cobertas fofinhas de penas de ganso; fogão e máquina de costura enferrujaram ...

Desanimar? De nada adiantaria. Só restou abrir clareira na mata densa e erguer outra choupana para não dormir ao relento, e deitar à terra as primeiras sementes. A safra demorou a chegar, sobreveio a fome. Fatiotas, vestidos de festa, porcelanas finas e relógios com corrente de ouro foram permutados por gêneros no armazém distante um dia de caminhada pelo pique do mato ...

João Weiss ajudou a família a se instalar penosamente na sel­va. Após cinco anos, haviam foIjado condições de sobrevivência, embora sem perspectivas de progresso econômico, por falta de meios de transporte para colocar excedentes agrícolas. Foi quando decidiu cumprir sua proposta inicial, de não permanecer na selva.

Migrou a pé. Em Marcelino Ramos, RS, trabalhou como au­xiliar de marceneiro; adquiriu calçado e repôs suas roupas, todas rotas. Áli soube da morte da mãe, sucumbida aos inauditos traba­lhos por que passou.

Depois, em 3tt classe, viajou de trem para Porto Alegre. Ope­rário de uma fábrica na rua Nova (Voluntários da Pátria), sobrevi­veu à epidemia de febre espanhola de 1917; passou a empregado de uma casa comercial na rua da Praia Casou com moça lusa e não teve filhos. Com escolaridade de 2° grau trazida da Europa, no mato lia e relia os livros que escaparam da enchente. Depois, enquanto trabalhava corno operário, devorava tudo que lhe vinha às mãos,

grfuljeando cultura geral que o levou ao emprego de caixeiro via­jante, profissão prestigiada socialmente. Viajou por 30 anos, co­nhecendo o Rio de Janeiro, Buenos Aires e Montevidéu.

Weiss é o memorialista que mais ressalta o duro papel femi­nino reservado às pioneiras da colonização, em confronto com a realidade vivida na Europa. Aponta uma viúva que viu trabalhar na pesada tarefa de abertura de estradas, trabalho que o governo re­munerava, auferindo dessa maneira algum dinheiro para sustentar os filhinhos. Critica a falta de orientação do governo, no sentido de esclarecer sobre como enfrentar o início na selva, desconhecida e agreste.

Seu estágio de solidão na mata reforçou nele a tendência à nostalgia, tornando-o taciturno. Segundo informação oral, teria se suicidado já octogenário, em Horizontina, no Rio Grande do Sul.

Da leitura dos memorialistas podemos colher bons subsídios quanto às causas da emigração - carência econômica, recrutamento bélico, espírito de aventura; sabemos quanto aos obstáculos de per­curso, o difícil início no lote rural da nova pátria e a gradativa me­lhora atingida com abnegação e persistência.


 



BIBLIOGRAFIA

*Hílda Agnes Hübner Flores: Mestre em História, professora da PUCRS aposentada; membro da Academia Literária Feminina RS. Pesquisa temática imigratória e de gênero. Quinze livros editados.

1 Cristóvão Lenz, Henrique Schäfer e Jorge Júlio Schnack. Memórias de Brumer (Introd., trad e notas de Hilda A. Hübner Flores). Porto Alegre: Est. 1997

2 EICKHOF, João. O Doutor Maragato(Introd., trad. e notas de Hilda A. Hübner Flores). Porto Alegre UFRGS, 1994. Original in Kalender für die Deutschen in Brasilien. S. Leopoldo: Roptermund, 1915, p. 253-89.

3 FIRMBACH, Teodor. Santa Clara: O combate federalista(Introd., trad. e notas de Hilda A. Hübner Flores). Porto Alegre: Nova Gimensão, 1995. 1ª edição em alemão, 1896.

4 HENNRICH, Teseria. "Wallachei"(Introd., trad. e notas de Hilda A. Hübner Flores). In Rev. Estudos Íbero Americanos, jun./1996. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 167-90. Original in Familienfreundkalender. Porto Alegre: Tip. do Centro, 1953, p.38-58.

5 Uma Colônia no Brasil. PUC Campinas, 1990 e S. Cruz do Sul, Unisc, 2002; publicado inicialmente em inglês, na Bélgica, 1862.

6 UMANN, Josef. Memórias de um imigrante boêmiio.(1ª edição 1938, em alemão, pela Riedl de Santa Cruz). 2ª ed. Porto Alegre: EST. 1981. Edição bi-lçingue. Introd., trad. e notas de Hilda A. Hübner Flores.

7 WEISS, João. Colonos na selva. Conto de um imigrante colono no sul do Brasil. Rio de Janeiro: ed. do autor, 1949.



Por Hílda Agnes Hübner Flores

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